quinta-feira, 16 de maio de 2013

Conversa poliglota paralela num ônibus cheio

Foi que na Avenida Princesa Isabel, no ponto anterior ao túnel que leva a Botafogo, entrou no ônibus um grupo de europeus, todos com a tez branca devidamente corada. Eram uns seis, rosados e suados, procurando esbaforidos lugares para sentar. Foram passando diretamente pela roleta com a permissão do trocador. A loira esguia, de óculos escuros, sentou-se a janela, na cadeira reservada a gestantes e idosos. Dois a cercaram, pendurando os braços nos ferros. Um acomodou-se, em pé, no espaço destinado a cadeirantes. Outro decidiu desgarrar-se do grupo ao ver uma mulher mulata e decotada passando por ele e seguindo ao fundo. Outra do grupo, uma morena de olhos claros, apareceu e ocupou o lugar ao lado da amiga loira. Começaram a conversar alto num idioma cheio de consoantes, alegremente, com direito a risadas. Restaram outros dois do grupo, ainda na roleta, um dos quais responsável por pagar a passagem de todos. Ele deu o dinheiro, mas o trocador, um jovem de óculos, avisou, em alto e bom português, que faltavam três e cinquenta. 

Com o impasse, engarrafou-se a entrada. Quem ainda não tinha girado a roleta espremeu-se, e o ônibus seguiu. Lá atrás, o restante do grupo notou que algo estava errado. O trocador repetiu por três vezes, gesticulou com os dedos, até que o gringo revelou esforçosamente:
- Naum... falow... portu-gueish...

O trocador exaltou-se:

- Não tenho nada a ver com isso. Só quero saber dos três e cinquenta que faltam!

Demorou alguns minutos, e o gringo só entendeu quando a senhora ao lado traduziu a mensagem em inglês. O débito foi pago. O gringo, junto com o outro amigo, voltou para o grupo resignado com a situação, mas contagiou-se com a euforia dos outros. O trocador aproveitou para desabafar com o motorista, tenso com o engarrafamento dentro do tunel.

- Vem pro Brasil querendo tirar marra? Aqui não é assim não! - bradou o trocador.

O ônibus lotou no ponto seguinte, em frente ao Rio Sul, e a conversa do trocador com o motorista ganhou adeptos, aqueles que não passaram pela roleta. Os gringos conversavam num outro tom, cheio de gargalhadas jocosas, talvez por terem ouvido claramente o trocador ter chamado a todos de "americanos".

Conversas paralelas. A perpendicular que poderia uni-las, infelizmente, não abriga duas línguas. Foram embora os gringos gozando da irritação do trocador e de sua gafe por confundi-los com americanos. Foi embora o trocador, que conseguiu se livrar da irritação compartilhando o desabafo com o trocador e aqueles que, distraindo a volta pra casa, concordaram com sua versão da história, sustentada no orgulho ufanista de ser brasileiro vira-lata.

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