domingo, 4 de novembro de 2007

Veneza

A Veneza melancolia
Que a cor viva repudia
É cinza, é tinta,
É céu, inferno, noite e dia.

Não a veja com os olhos,
Pois tristonhos ficarão.
Alvoreça! branco no preto,
Convide a solidão.

Veneza, és da cidade espelho.


Ah, Veneza... Amanheceste com o céu cinzento e ar soturno. Em cima, as nuvens tomam-te conta todo o firmamento. Embaixo, dançam sobre a água fragmentos da antes solitude, agora aglomerado pomposo que irrompe vigoroso velhas barreiras. Não faz frio, mas o calor não impede que as casacas saiam dos armários. O vapor brota do chão como estufa, e as gotas de chuva misturam-se com o suor lacrimejante. Nas calçadas, os pedestres esquivam-se sem sucesso das poças, apressam-se iludidos de que secos chegarão aos seus destinos. Aperta a chuva, alaga as vias, tornam-se rios.

Ah, Veneza... Não fosse tua cor lodosa que agora pinta as ruas, chamaria-se beleza. Tuas rugas e vincos agora encheram-se devido aos amontoados dejetos sobre os bueiros. Tuas pulgas são ratos nadadores que despejam leptospirose, vizinhos dos mendigos molhados de comida podre e secos de água pura. Tuas veias batizadas de lixo pulsam repulsa, angústia, pústulas pelos ares, preservam seu bolor.

Ah, Veneza... Tu deixas marcas nas pegadas, vestígios no assoalho dos lares onde também resides. Teu aspecto londrino, sombrio, esconde as silhuetas dos cartões postais, que agora são espectros translúcidos, almas de vultos. Teus pais e filhos desatinam desesperados, esguios, e esquivam-se desafortunados das linhas traçadas pela chuva na pintura preta e branca de nanquim. Os arranha-céus não mais arranham o céu: compõem conjuntos o véu taciturno sobre a cidade. O púrpura agora é cinza, o azul virou breu. De teu, resta-me esperar outro dilúvio que carregue pelas vias tua urbana melancolia.

Duas duras realidades

Dura realidade I "Quando a lenda se transforma num fato, publica-se a lenda", disse o jornalista sensacionalista do clássico f...