segunda-feira, 6 de maio de 2013

Nosferatu pegou o metrô (parte I)

Nosferatu entrou no metrô, no último vagão da linha 1, às seis da manhã de um domingo. A primeira senhora que o avistou, acomodada na primeira cadeira próximo à porta, largou ao colo a magazine que lia, petrificou os braços moles e levou a mão à boca, espantada. O senhor calvo logo atrás cutucou a esposa, que contraiu a vista para enxergar melhor se aquele idoso de pele enrugada cor de leite, trajado de uma toga preta, corcunda sobressalente, olhar obscuro e feições diabólicas era quem ela achava que era. 

“Deus do céu”, com a intenção de ser escutada, falou a voz de algum homem. O rapaz alto e magricelo, que preferia viajar em pé, com olhar escondido pelos óculos escuros, confabulava consigo mesmo sobre como alguém poderia ter tanta olheira. A cândida estudante, sentada ao lado da porta por onde o príncipe das trevas adentrou, levantou-se para trocar de lugar mas inevitavelmente olhou aquela feição branca, com pelancas caídas em cada olho, dois topetes que mais pareciam chifres de marfim, sorrindo-lhe enigmático como quem demonstravam ao mesmo tempo terror e meiguice. Ela decidiu ceder o assento, mas o menino bochechudo ao lado, que assistia a tudo com interesse, foi interrompido pela mãe, que o obrigou a pular a bundinha para o assento vago porque na outra ponta havia uma idosa. 

Restou a Nosferatu ficar em pé, com as frágeis mãos no apoio de ferro, a abaixar o cenho intimidado por sua aparência diante de todos estes olhares que o abateram em segundos. Agora postam-se indelicados fingindo ignorar a presença de um velho esquálido. Ninguém ao menos ousa ceder o lugar, como nos bons costumes cavalheirescos. São pobres mortais estas pessoas comuns que se hipnotizam por qualquer mísera aparição. Fosse um nobre engomado de peito arfante a exalar autoridade de um conde, seriam hipnotizados da mesma forma, só que cederiam as atenções à tamanha envergadura. Esta geração de pobres almas empesteadas pela mediocridade humana não conceberia o poder de Conde Drácula sob o domínio de um macilento ser que mal se sustenta em pé. 

Nosferatu riu sozinho e os caninos pontiagudos passaram despercebidos. Quanta nostalgia circulava em sua mente, tantas vidas, batalhas, vitórias e derrotas, tanto sangue derramado pelos propósitos mais honrosos. E os incrédulos passageiros presentes jamais notariam isto. Os tronos de hoje banalizaram-se tanto que os designados a ocupá-los tremem. 

(continua...)

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