Nosferatu
entrou no metrô, no último vagão da linha 1, às seis da manhã de
um domingo. A primeira senhora que o avistou, acomodada na primeira
cadeira próximo à porta, largou ao colo a magazine que lia,
petrificou os braços moles e levou a mão à boca, espantada. O
senhor calvo logo atrás cutucou a esposa, que contraiu a vista para
enxergar melhor se aquele idoso de pele enrugada cor de leite,
trajado de uma toga preta, corcunda sobressalente, olhar obscuro e
feições diabólicas era quem ela achava que era.
“Deus
do céu”, com a intenção de ser escutada, falou a voz de algum
homem. O rapaz alto e magricelo, que preferia viajar em pé, com
olhar escondido pelos óculos escuros, confabulava consigo mesmo
sobre como alguém poderia ter tanta olheira. A cândida estudante,
sentada ao lado da porta por onde o príncipe das trevas adentrou,
levantou-se para trocar de lugar mas inevitavelmente olhou aquela
feição branca, com pelancas caídas em cada olho, dois topetes que
mais pareciam chifres de marfim, sorrindo-lhe enigmático como quem
demonstravam ao mesmo tempo terror e meiguice. Ela decidiu ceder o
assento, mas o menino bochechudo ao lado, que assistia a tudo com
interesse, foi interrompido pela mãe, que o obrigou a pular a
bundinha para o assento vago porque na outra ponta havia uma idosa.
Restou a
Nosferatu ficar em pé, com as frágeis mãos no apoio de ferro, a
abaixar o cenho intimidado por sua aparência diante de todos estes
olhares que o abateram em segundos. Agora postam-se indelicados
fingindo ignorar a presença de um velho esquálido. Ninguém ao
menos ousa ceder o lugar, como nos bons costumes cavalheirescos. São
pobres mortais estas pessoas comuns que se hipnotizam por qualquer
mísera aparição. Fosse um nobre engomado de peito arfante a exalar
autoridade de um conde, seriam hipnotizados da mesma forma, só que
cederiam as atenções à tamanha envergadura. Esta geração de
pobres almas empesteadas pela mediocridade humana não conceberia o
poder de Conde Drácula sob o domínio de um macilento ser que mal se
sustenta em pé.
Nosferatu
riu sozinho e os caninos pontiagudos passaram despercebidos. Quanta
nostalgia circulava em sua mente, tantas vidas, batalhas, vitórias e
derrotas, tanto sangue derramado pelos propósitos mais honrosos. E
os incrédulos passageiros presentes jamais notariam isto. Os tronos
de hoje banalizaram-se tanto que os designados a ocupá-los tremem.
(continua...)
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