As ruas por onde cresci eram bastante largas. Era fácil juntar alguns moleques, arranjar uma bola de dente de leite (bola com gomos era caro) e cercar um fictício campo de futebol com apenas dois pares de chinelo. Um dia até confeccionamos dois golzinhos com pernas de cadeira velha, com direito a rede de saco de batatas e tudo. Ficaram lindos, mas sua portabilidade não era tão prática quanto um par de chinelos, e algumas boladas eram suficientes para destruí-lo.
Na rua de cima morava um atacante que jogava no Botafogo. Às vezes ele aparecia para ver os moleques jogarem. Lembro uma vez em que consegui dominar a bola e o driblei com a mesma facilidade com que Zico passava pelos zagueiros. Foi um dos auges de minha carreira futebolística, achava-me capaz de integrar grandes escretes, até quem sabe virar figurinha de álbum, coisa que nem ele conseguiu.
Nestas ruas tive outros momentos de glória com o futebol. Acreditava no sentido literal da expressão “dar o sangue”, e cada tampo do dedão perdido ou joelho ralado pelo asfalto eram sinais de raça. Nunca fiz questão de ser artilheiro, gostava de atuar na meia-canja, ali, entre a zaga e o ataque, um verdadeiro maestro dos dois setores. A maioria das bolas lançadas iam certeiras aos pés de quem estava lá na frente; outras paravam nos quintais, sujavam as paredes, eram devoradas por pastores alemães ou proporcionavam esporros homéricos de donas-de-casa.
Bom também era quando passava por estas ruas alguma menina de bicicleta ou numa mobilete, uma coqueluche da época. A partida interrompia-se, alguns meninos ensaiavam galanteios rudes e pueris, outros faziam malabarismos com a bola para impressioná-la. Eram os primeiros efeitos da testosterona, e meu corpinho suado, pernas serelepes e pés encardidos deixavam-me disposto a tudo.
Ah, as ruas onde cresci. Passei por elas dia desses, e bateu-me uma nostalgia arrebatante. Continuam largas, imponentes para um menino de dez anos. Mas não há mais nenhum deles correndo por elas. Todos de antes hoje são adultos, alguns pais de família, outros até circulam pela região. Trocaram os pés descalços por tênis sob pedais de carros, que invadem todas as calçadas.
As ruas onde cresci hoje não servem mais para o futebol de rua. O mertiolate foi proibido pelas farmácias, e os dedões do pé não têm mais tampos arrancados. As pracinhas recém-construídas não tem o mesmo brilho do asfalto. As bolas de gomo não são mais desenvoltas do que as de dente-de-leite. As meninas que antes passavam de mobilete, hoje circulam em carros com vidro fumê.
Hoje as ruas por onde ando são outras. Não possuem calçadas, as margens são os próprios hemisférios do mundo. Melhor pensar assim, para não sentir falta de um tempo que se passou, pois o sabor de revelações da vida pode durar até seus últimos dias.
Na rua de cima morava um atacante que jogava no Botafogo. Às vezes ele aparecia para ver os moleques jogarem. Lembro uma vez em que consegui dominar a bola e o driblei com a mesma facilidade com que Zico passava pelos zagueiros. Foi um dos auges de minha carreira futebolística, achava-me capaz de integrar grandes escretes, até quem sabe virar figurinha de álbum, coisa que nem ele conseguiu.
Nestas ruas tive outros momentos de glória com o futebol. Acreditava no sentido literal da expressão “dar o sangue”, e cada tampo do dedão perdido ou joelho ralado pelo asfalto eram sinais de raça. Nunca fiz questão de ser artilheiro, gostava de atuar na meia-canja, ali, entre a zaga e o ataque, um verdadeiro maestro dos dois setores. A maioria das bolas lançadas iam certeiras aos pés de quem estava lá na frente; outras paravam nos quintais, sujavam as paredes, eram devoradas por pastores alemães ou proporcionavam esporros homéricos de donas-de-casa.
Bom também era quando passava por estas ruas alguma menina de bicicleta ou numa mobilete, uma coqueluche da época. A partida interrompia-se, alguns meninos ensaiavam galanteios rudes e pueris, outros faziam malabarismos com a bola para impressioná-la. Eram os primeiros efeitos da testosterona, e meu corpinho suado, pernas serelepes e pés encardidos deixavam-me disposto a tudo.
Ah, as ruas onde cresci. Passei por elas dia desses, e bateu-me uma nostalgia arrebatante. Continuam largas, imponentes para um menino de dez anos. Mas não há mais nenhum deles correndo por elas. Todos de antes hoje são adultos, alguns pais de família, outros até circulam pela região. Trocaram os pés descalços por tênis sob pedais de carros, que invadem todas as calçadas.
As ruas onde cresci hoje não servem mais para o futebol de rua. O mertiolate foi proibido pelas farmácias, e os dedões do pé não têm mais tampos arrancados. As pracinhas recém-construídas não tem o mesmo brilho do asfalto. As bolas de gomo não são mais desenvoltas do que as de dente-de-leite. As meninas que antes passavam de mobilete, hoje circulam em carros com vidro fumê.
Hoje as ruas por onde ando são outras. Não possuem calçadas, as margens são os próprios hemisférios do mundo. Melhor pensar assim, para não sentir falta de um tempo que se passou, pois o sabor de revelações da vida pode durar até seus últimos dias.
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