quinta-feira, 16 de maio de 2013

Conversa poliglota paralela num ônibus cheio

Foi que na Avenida Princesa Isabel, no ponto anterior ao túnel que leva a Botafogo, entrou no ônibus um grupo de europeus, todos com a tez branca devidamente corada. Eram uns seis, rosados e suados, procurando esbaforidos lugares para sentar. Foram passando diretamente pela roleta com a permissão do trocador. A loira esguia, de óculos escuros, sentou-se a janela, na cadeira reservada a gestantes e idosos. Dois a cercaram, pendurando os braços nos ferros. Um acomodou-se, em pé, no espaço destinado a cadeirantes. Outro decidiu desgarrar-se do grupo ao ver uma mulher mulata e decotada passando por ele e seguindo ao fundo. Outra do grupo, uma morena de olhos claros, apareceu e ocupou o lugar ao lado da amiga loira. Começaram a conversar alto num idioma cheio de consoantes, alegremente, com direito a risadas. Restaram outros dois do grupo, ainda na roleta, um dos quais responsável por pagar a passagem de todos. Ele deu o dinheiro, mas o trocador, um jovem de óculos, avisou, em alto e bom português, que faltavam três e cinquenta. 

Com o impasse, engarrafou-se a entrada. Quem ainda não tinha girado a roleta espremeu-se, e o ônibus seguiu. Lá atrás, o restante do grupo notou que algo estava errado. O trocador repetiu por três vezes, gesticulou com os dedos, até que o gringo revelou esforçosamente:
- Naum... falow... portu-gueish...

O trocador exaltou-se:

- Não tenho nada a ver com isso. Só quero saber dos três e cinquenta que faltam!

Demorou alguns minutos, e o gringo só entendeu quando a senhora ao lado traduziu a mensagem em inglês. O débito foi pago. O gringo, junto com o outro amigo, voltou para o grupo resignado com a situação, mas contagiou-se com a euforia dos outros. O trocador aproveitou para desabafar com o motorista, tenso com o engarrafamento dentro do tunel.

- Vem pro Brasil querendo tirar marra? Aqui não é assim não! - bradou o trocador.

O ônibus lotou no ponto seguinte, em frente ao Rio Sul, e a conversa do trocador com o motorista ganhou adeptos, aqueles que não passaram pela roleta. Os gringos conversavam num outro tom, cheio de gargalhadas jocosas, talvez por terem ouvido claramente o trocador ter chamado a todos de "americanos".

Conversas paralelas. A perpendicular que poderia uni-las, infelizmente, não abriga duas línguas. Foram embora os gringos gozando da irritação do trocador e de sua gafe por confundi-los com americanos. Foi embora o trocador, que conseguiu se livrar da irritação compartilhando o desabafo com o trocador e aqueles que, distraindo a volta pra casa, concordaram com sua versão da história, sustentada no orgulho ufanista de ser brasileiro vira-lata.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Penso Tenso

Adrenalina corre em minhas veias,
E eu não vou ficar omisso.
Não é a hora de ficar fora disso,
Está dentro de mim.
E em você?
Suas têmporas também latejam
Sacolejam
Como um vagão descarrilado,
Ou um buzão empanturrado
De dores de cabeça?

Penso. Tenso.
Tenso. Penso.

Será que há remédio para isso?
Um calmante coletivo que funcione
Em todo e qualquer indivíduo.
Um entretenimento irrestrito
Que descarregue toda raiva
Que aqui despejam feito lixo.

A paciência é a alma que não nega o ócio.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

terça-feira, 7 de maio de 2013

Vai rolar um fight com a Light

Vai rolar um fight com a Light!
Me prendi no site que atrasou meu insight!

Todo mês deixo que me tosem
A conta bancária,
Porque eu tô zen,
(tô zen tô zen tô zen tô zen tô zen tô zen tô zen tô zen)
Tô sem dinheiro,
tô cem por cento
Grogue,
Tomei eletrochoque de ordem
Mas disse amém...

 (Amém! Amém!
A  m a n : - A m e m !)

... Por ter quitado o mau humor da minha dívida.

Amor da minha vida,
É na queda que quando menos se espera
Vem a força pra se levantar

É no perrengue que se aprende,
Se caiu, levante e ande,
Pois o mundo segue adiante sem cessar.

Mas vai rolar um fight...

A saudade do futebol de rua

As ruas por onde cresci eram bastante largas. Era fácil juntar alguns moleques, arranjar uma bola de dente de leite (bola com gomos era caro) e cercar um fictício campo de futebol com apenas dois pares de chinelo. Um dia até confeccionamos dois golzinhos com pernas de cadeira velha, com direito a rede de saco de batatas e tudo. Ficaram lindos, mas sua portabilidade não era tão prática quanto um par de chinelos, e algumas boladas eram suficientes para destruí-lo.

Na rua de cima morava um atacante que jogava no Botafogo. Às vezes ele aparecia para ver os moleques jogarem. Lembro uma vez em que consegui dominar a bola e o driblei com a mesma facilidade com que Zico passava pelos zagueiros. Foi um dos auges de minha carreira futebolística, achava-me capaz de integrar grandes escretes, até quem sabe virar figurinha de álbum, coisa que nem ele conseguiu.

Nestas ruas tive outros momentos de glória com o futebol. Acreditava no sentido literal da expressão “dar o sangue”, e cada tampo do dedão perdido ou joelho ralado pelo asfalto eram sinais de raça. Nunca fiz questão de ser artilheiro, gostava de atuar na meia-canja, ali, entre a zaga e o ataque, um verdadeiro maestro dos dois setores. A maioria das bolas lançadas iam certeiras aos pés de quem estava lá na frente; outras paravam nos quintais, sujavam as paredes, eram devoradas por pastores alemães ou proporcionavam esporros homéricos de donas-de-casa.

Bom também era quando passava por estas ruas alguma menina de bicicleta ou numa mobilete, uma coqueluche da época. A partida interrompia-se, alguns meninos ensaiavam galanteios rudes e pueris, outros faziam malabarismos com a bola para impressioná-la. Eram os primeiros efeitos da testosterona, e meu corpinho suado, pernas serelepes e pés encardidos deixavam-me disposto a tudo.

Ah, as ruas onde cresci. Passei por elas dia desses, e bateu-me uma nostalgia arrebatante. Continuam largas, imponentes para um menino de dez anos. Mas não há mais nenhum deles correndo por elas. Todos de antes hoje são adultos, alguns pais de família, outros até circulam pela região. Trocaram os pés descalços por tênis sob pedais de carros, que invadem todas as calçadas.

As ruas onde cresci hoje não servem mais para o futebol de rua. O mertiolate foi proibido pelas farmácias, e os dedões do pé não têm mais tampos arrancados. As pracinhas recém-construídas não tem o mesmo brilho do asfalto. As bolas de gomo não são mais desenvoltas do que as de dente-de-leite. As meninas que antes passavam de mobilete, hoje circulam em carros com vidro fumê.

Hoje as ruas por onde ando são outras. Não possuem calçadas, as margens são os próprios hemisférios do mundo. Melhor pensar assim, para não sentir falta de um tempo que se passou, pois o sabor de revelações da vida pode durar até seus últimos dias.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Nosferatu pegou o metrô (parte I)

Nosferatu entrou no metrô, no último vagão da linha 1, às seis da manhã de um domingo. A primeira senhora que o avistou, acomodada na primeira cadeira próximo à porta, largou ao colo a magazine que lia, petrificou os braços moles e levou a mão à boca, espantada. O senhor calvo logo atrás cutucou a esposa, que contraiu a vista para enxergar melhor se aquele idoso de pele enrugada cor de leite, trajado de uma toga preta, corcunda sobressalente, olhar obscuro e feições diabólicas era quem ela achava que era. 

“Deus do céu”, com a intenção de ser escutada, falou a voz de algum homem. O rapaz alto e magricelo, que preferia viajar em pé, com olhar escondido pelos óculos escuros, confabulava consigo mesmo sobre como alguém poderia ter tanta olheira. A cândida estudante, sentada ao lado da porta por onde o príncipe das trevas adentrou, levantou-se para trocar de lugar mas inevitavelmente olhou aquela feição branca, com pelancas caídas em cada olho, dois topetes que mais pareciam chifres de marfim, sorrindo-lhe enigmático como quem demonstravam ao mesmo tempo terror e meiguice. Ela decidiu ceder o assento, mas o menino bochechudo ao lado, que assistia a tudo com interesse, foi interrompido pela mãe, que o obrigou a pular a bundinha para o assento vago porque na outra ponta havia uma idosa. 

Restou a Nosferatu ficar em pé, com as frágeis mãos no apoio de ferro, a abaixar o cenho intimidado por sua aparência diante de todos estes olhares que o abateram em segundos. Agora postam-se indelicados fingindo ignorar a presença de um velho esquálido. Ninguém ao menos ousa ceder o lugar, como nos bons costumes cavalheirescos. São pobres mortais estas pessoas comuns que se hipnotizam por qualquer mísera aparição. Fosse um nobre engomado de peito arfante a exalar autoridade de um conde, seriam hipnotizados da mesma forma, só que cederiam as atenções à tamanha envergadura. Esta geração de pobres almas empesteadas pela mediocridade humana não conceberia o poder de Conde Drácula sob o domínio de um macilento ser que mal se sustenta em pé. 

Nosferatu riu sozinho e os caninos pontiagudos passaram despercebidos. Quanta nostalgia circulava em sua mente, tantas vidas, batalhas, vitórias e derrotas, tanto sangue derramado pelos propósitos mais honrosos. E os incrédulos passageiros presentes jamais notariam isto. Os tronos de hoje banalizaram-se tanto que os designados a ocupá-los tremem. 

(continua...)

A última sorte de Aristeu (pornoconto)

Aristeu andava como sempre andou em toda sua vidinha mais ou menos, em direção à mesmice do trabalho, e matutava que, com muita sorte, conseguiria sair às cinco. Não estava muito contente com o fato de ainda não ter recebido o parco salário do mês, mas aceitava como veneno anti-monotonia passar o feriado de amanhã trabalhando. Ao menos poderia sair do expediente e ir direto para o botequim ao lado, que nos feriados com certeza fica cheio daquelas mulheres que trocariam qualquer coisa por uma cerveja. E foi só pensar na figura feminina que, por sorte não derrubou uma senhora que passava de bengala à sua frente. O incidente passou despercebido, mas uma pedra, que por pouco não abriu um buraco na cabeça de Aristeu, chamou a atenção de alguns transeuntes.

"Deu sorte hein!", disse um senhor gordo intrometido. Aristeu olhou para cima antes mesmo de escutar o gordo, e viu um operário sorrir amarelo, balançar as mãos e dizer: "Foi mal aê!" Resignando-se da culpa de por um triz não ter atropelado a pobre senhora, Aristeu fez-se de que estava tudo bem, e respondeu com um "Beleza!" igualmente amarelo.

Então Aristeu chegou ao trabalho, onde deveria apenas repassar as ligações dos clientes para os setores responsáveis, e em plena véspera de feriado, significava na prática enfrentar o marasmo de não se fazer nada. Mas Aristeu deu sorte. Poderia sair tranquilamente às cinco como desejava, pois o chefe do setor estava ausente. Na verdade, o chefe aproveitou sua autoridade para, logicamente, dar-se uma folguinha antecipada. Aristeu nem pensou nisso, mas alegrou-se em saber que sairia antes do anoitecer, e era só contar as seis horas que restavam. Beleza, hein.

Aos poucos, apareciam nas baias do grande setor de teleatendimento outros rostos, a maioria resmungante por causa do batente esticado. Antes mesmo de se dirigir à cabine, Aristeu foi preparar um cafezinho como de costume, e notou que a atendente mais sedutora do andar se aproximava. Nem deu tempo de elaborar uma lisonjeira abordagem, ela colocou-lhe a mão nos ombros e disse: "Oi, Aristeu! Por aqui hoje? Aproveita e faz um cafezinho pra mim também". Claro que Aristeu aceitou o encargo, e fez um café fortíssimo, sobretudo por ela ter dito: "Me entrega lá na cabine.", enquanto andava toda rebolante para seu setor, oposto ao do sortudo.

Cinco minutinhos na maquinha de expresso, um jeito na postura e no cabelinho, todo cuidado para não deixar os cafezinhos pelando cairem das mãos, o conquistador Aristeu iria ganhar a tarde, mas ao sair da copa deparou-se novamente com aquelas pernas tão bem fincadas no jeans, antes mesmo de ouvir a boca sedutora dizer em seu ouvido: "Brigadinha, Aristeu. Mas eu já vou indo senão perco a carona do meu marido. Beijinhos." Porém antes mesmo do orgulho desabrochar em frustração ela disse ainda: "A gente marca de beber semana que vem!", o que soou bem aos seus ouvidos.

Melhor ainda que ouvir uma boca sedutora convidando para uma bebida na próxima semana é saber que o expediente de hoje é facultativo. Após ouvir essa maravilhosa notícia, só faltou a Aristeu dar cambalhotas sobre o carpete. Um atendente do setor vizinho, certamente o mais caxias daquele andar, disse que só estava lá porque tanto trabalho o atolava. Como Aristeu não tinha muito o que fazer mesmo, era hora de voltar para casa.

Em casa, viu as horas e notou que ainda faltava muito até a noite. Aristeu então descalçou os sapatos, largou a maleta sobre a mesa, jogou a camiseta amarrotada na cama, desfivelou o cinto e caiu sobre o sofá. Inclinou-se com dificuldade até liberar o braço, que estava sob o corpo, e assim poder apalpar o chão em busca do controle remoto. Não foi tarefa difícil, e bem mais fácil que isso foi apertar o botão de ligar a televisão. A partir daí, apenas os músculos do polegar direito foram necessários para exercer a função de trocar de canal.

Entre uma inutilidade e outra a que assistia, chamou-lhe a atenção a jocosa euforia do apresentador de um programa sobre turismo, no momento em que entrevistava uma dondoca desinibida dentro de um fervilhante ofurô de um resort paradisíaco. Entretido como num espasmo mental, veio-lhe um comentário espontânea: "Gostosa. Se fosse rico já tava lá!"

Enquanto o apresentador mostrava as belas dependências, o ofurô, a hidromassagem, o frigobar, restaurante internacional e outros quitutes, os olhos de Aristeu relutavam contra o sono, mas quase se fechando, o dono do hotel anunciou, "em homenagem ao programa que tanto valorizou toda a nossa dedicação, e aos telespectadores que tanto nos prestigiam", que neste feriado haverá um dia de hospedagem gratuito aos dez primeiros que ligarem para o número que se encontrava na parte inferior da tela.

Não custava nada, apenas trinta e três centavos o minuto, e por sorte o celular estava no bolso da calça, ao alcance das mãos. Aristeu ligou para o número indicado, seguiu calado cada passo da atendente eletrônica, o que durou aproximadamente cinco minutos, e só abriu a boca para responder, articuladamente, a cidade onde mora. Em seguida foi encaminhado para um atendente em pessoa, que lhe explicou rapidamente que, no momento, não havia vagas para a promoção. Aristeu argumentou, então, que o anúncio da promoção estava sendo repetido na tela enquanto conversavam. O atendente silenciou por um segundo e perguntou a cidade em que morava. Aristeu respondeu novamente, e foi solicitado para que esperasse alguns minutos.

Assim o fez pacientemente por quase dez minutos, estirado no sofá, enquanto abstraía-se assistindo à forma criativa como os caga-sebos constróem seus ninhos, até que um mico brincalhão resolve acabar com toda a trabalhosa obra. O entretenimento televisivo entorpecia-lhe os olhos, e os ouvidos já nem mais escutavam. Mas a sorte lhe tirou da embriaguez quando o atendente chamou-lhe a atenção de que havia sim uma vaga, na franquia da região serrana. "O lugar é arborizado, tem piscina, bar. Tudo de bom", indicou o atentente. Aristeu perguntou se era realmente gratuito, apenas para confirmar. "Tudo, menos a piscina, a sauna, o frigobar e as dependências esportivas" respondeu, ao que Aristeu na mesma hora pensou: "Ao menos dá pra tomar uma cervejinha tranquilo, curtindo um som", e despertou-lhe um sorriso verde.

No dia seguinte, Aristeu acordou já de tarde, vestiu a mochila, tomou o ônibus de sua casa até a rodoviária, de lá embarcou na linha intermunicipal até o ponto final, desceu, caminhou treze quadras, fumou três cigarros, e só não comprou uma cervejinha porque a tauner que leva ao local onde fica o hotel estava prestes a sair. Mas pensou muito em comprar uma, pois o tamanho da fila desanimaria qualquer apressadinho. Por sorte, havia o número exato de pessoas, e a quantidade de bagagens do casal do fim da fila não coube no bagageiro, optando o casal por desistir. Aristeu acomodou-se no banco de trás da pequena van como um sultão, ergueu as mãos até a nuca, contemplou a janela ao seu lado e imaginou o vento forte que sentiria ao longo da viagem.

Ainda faltava uma vaga para a van sair, e a espera angustiava. Nesse momento os pensamentos de Aristeu divagam sobre o fazer nada no resort, não teria dinheiro para bebidas caras, nem restaurante internacional, nem mesmo uma comidinha chique, pois nada disso estava incluído no pacote. Pelo menos levava consigo dois maços de cigarro e uns trocados para umas duas cervejas durante a noite e um cafezinho pingado junto com um pão torrado, pela manhã, no botequim mais próximo. Perguntou então, meio escandaloso, o preço da passagem, mas foi ignorado pelo motorista, que abria as alas na calçada para uma estonteante morena.

Ela sentou justamente ao lado de Aristeu, e ele a reparou desde a vez em que a viu desfilando da calçada até a van, onde cuidadosamente adentrou sem perder o charme, girou a fina cintura e encaixou suavemente os grandes quadris no assento. Bateu um vento que eriçou os pêlos de Aristeu, e seus olhos não conseguiam desviar do par de coxas da mulher. Os aprumados seios no sobressalente decote quem vigiava era o motorista, mas a impaciência da senhora do banco da frente atrapalhou-lhe a atenção. Não era possível olhar nos olhos da morena, os óculos escuros não só os cobria, mas também disfarçava parte das lisas bochechas, e ela realmente não aparentava muita receptividade.

Aparentar não significa que de fato esteja antissocial, e é nessas horas, com um pouco de sorte, que os homens devem surpreender as mulheres e preencher este vazio da amargura. Para Aristeu, não havia nada a perder, mas a van ligou o motor e ele reservou os próximos dez minutos para pensar numa forma cavalheira de abordá-la. Assim que fecharam as portas para a partida da van, o motor morreu, ao que a morena resmungou baixinho para si mesma: "merda!", seguido de um sonoro "tsc!", e virou a cabeça para a janela. A impaciência contagiou todos os demais passageiros, mas após poucos murmuros, o motor estava novamente funcionando. Aristeu virou o rosto para a morena, como se fosse dar a notícia mais espetacular do planeta, e disse "que sorte, hein!". Logicamente, ela girou a cabeça em direção a Aristeu, esperou reticente alguns milésimos de segundo, e retornou à janela.

O semblante de Aristeu, então, amoleceu um pouco, mas tinha em mente que havia apenas extrapolado um sentimento súbito, e resolveu apenas contemplá-lo, sem segundas intenções, com a pessoa ao lado, que por sinal, era uma morena espetacular. Do outro lado um senhor apreciava a rua e demonstrava sonolência, era melhor assim não incomodar. Começaram então a brotar na cabeça de Aristeu inúmeros mecanismos de galanteios, mas ela parecia protegida por uma muralha de pedra. Vez em quando, a morena repetia alguns "tscs!", contidos, e certa ocasião Aristeu até comentou que lera numa revista ser o "tsc!" um agravante para doenças cardíacas. Devido aos grandes óculos escuros que escondiam qualquer expressão daquela bela face, ela apenas consentiu com a cabeça e virou-se.

A van entrou na estrada, incrivelmente vazia para um feriado. Aristeu havia praticamente desistido de outra tentativa de interpelá-la, quando seu celular vibrou por três vezes. Sabia que não seria nada importante, apenas promoções de planos telefônicos que sempre recebe no celular, mas fez questão de conferir. Com pose de educado, moveu o braço lentamente, como se retirasse uma peça de um castelo de cartas, ajeitou a perna, de forma que roçasse só um pouquinho na anca da morena, enfiou a mão ligeiro no bolso, e levou o aparelho até o colo, exibindo-o como uma jóia preciosa. Porém, qual não foi sua surpresa ao ler que fora o sorteado numa promoção de sua companhia telefônica, por ser um exemplar cliente durante os últimos dez anos, e que a partir de agora poderia falar cento e vinte e cinco minutos gratuitamente neste feriado?

Aristeu sorriu espontâneo e pensou em seguida na possibilidade de compartilhar a alegria com a moça ao lado. Decidido, ergueu o celular, virou-se para ela e disse: "Acabo de ganhar ligações gratuitas no celular!" A morena sorriu de leve, mas não se impressionou muito, a ponto de permanecer intacta até o ponto onde saltou, dois antes de onde Aristeu deveria saltar. Já ele explicava a si mesmo que tudo isso poderia ser um mero azar, pois simplesmente a mulher não queria assunto na hora. Mas a sorte estava com ele, afinal chegou até aqui por sua causa.

Passada a tensão que o entreteu durante a viagem, o número de carros na estrada começou a aumentar, pois um acidente ocorrera quilômetros à frente. Por sorte ninguém morreu, mas o tráfego ficou parado por menos de uma hora, até que alcançou o ponto onde Aristeu deveria saltar. Já era de noite, e agora bastava caminhar três quilômetros a pé até o hotel. Uma carona não seria de todo ruim, e pensando na sorte, Aristeu acreditou piamente que surgiria alguma. Andava e olhava para trás, impacientemente, no meio da escuridão, e após mais uma hora e cinco cigarros, acesos junto com os vaga-lumes, o ronronar de um motor quebrava a calada da escuridão. Uma kombi toda torta parou para abrir-lhe as portas, e mostrou ao volante uma senhora com olhos azuis e um sorriso convidativo de dentes amarelados “Entra aí e segura firme!”

Aristeu acomodou-se na poltrona tremulante de couro, agarrando-se no painel pois a estrada era cheia de ondulações. Antes de puxar qualquer assunto com a simpática senhora, focadíssima na direção, logo enfiou a mão no bolso para retirar duas notas de dois reais, talvez seria o suficiente para passagem. Mas nem abriu as mãos para entregar a quantia, logo ouviu um “Deixa disso, é carona”. Sem perder o controle da kombi e fitada pelos flertes de Aristeu, a senhora puxou um cigarro do porta-luvas e pendurou elegantemente na boca. “Fuma?”, perguntou para o rapaz, que aceitou sem pestanejar o cigarro. “Opa. Que sorte!”, exclamou Aristeu.

Sorte. Para onde ela leva? A senhora sorriu mas calou-se depois da exclamação. Queria dizer a ele que aquilo não era sorte, mas apenas uma forma gentil de ser solidária, e prática comum dos habitantes que possuem carro naquela região – e que fumam. Porém para ela era complicado falar tudo isso com um cigarro na boca, além de segurar firme naquele volante. Passava as marchas e sentia-se espionada pelo rabo de olho de Aristeu, o que lhe provocava sua vaidade, mas também tensão. Quanto a ele, gostava de olhar para a motorista reparando cada movimento, a habilidade no volante, o rosto de pele alva conservada, a silhueta de um rosto fino e um corpo esguio e esbelto. Entre um buraco e outro, os dois entreolhavam-se. Ela parecia mais sedutora, deixava sobre o ombro direito fugir a alça do vestido, apoiava na marcha uma mão que exibia os sinais das primeiras rugas. “Você devia ser uma mulher muito atraente!”, elogiou Aristeu num grito, pois estava receoso que ela não o escutasse em função do barulho do motor. Ela sorriu sem graça. Ele achou que não tivesse sido ouvido e repetiu mais duas vezes o elogio, no mesmo volume de voz, com direito a “Hein, você devia ser uma mulher muito atraente”.

Ah, estas más boas intenções. A senhora havia entendido o rapaz de primeira, mas sentiu-se constrangida e só voltou a abrir a boca onde o deixou, na esquina da rua do hotel. Esqueceram-se de dar boa noite. Aristeu saltou e logo viu as luzinhas da entrada do tal resort, lá no fim do breu da rua. Atrás dele o fraco farol de uma kombi de lotação passava, vazia, vazia.

O resort era uma humilde fazenda, com uma pequena piscina de águas calmas, cercada logo na entrada, um restaurante com as portas de vidro fechadas, mas com algumas pessoas lá dentro, e ao lado, um bar com um videoquê e um balcão onde o garçom descansava o queixo sobre as mãos. Havia um acesso para os fundos, onde deveria conter algum campo de futebol ou algo parecido, mas Aristeu não se importou muito, preferiu ir direto à recepção, onde já era esperado, pois naquela noite a rede de hotéis avisou que um dos felizardos que ganharam hospedagem na promoção seria contemplado, também, com bebidas gratuitas. E era justamente Aristeu o premiado. Mesmo jucundo com a notícia, não controlava os bocejos. Ele recebeu a chave do quarto e vagueou até o aposento, planejando cochilar uma horinha para depois se fartar durante toda a madrugada.

Assim como chegou ao resort sem pressa, levantou da cama também sem pressa, fumou um cigarro e arrumou-se despojado para finalmente receber o grande prêmio da noite: bebida de graça! Saiu do quarto e concluiu que a calmaria significava estar tarde, já de madrugada, e os demais hóspedes em seus sonos. Mas não se frustou, pois o bar ainda funcionava, e para Aristeu, bar bom é aquele que fecha só quando o último cliente vai embora. Lógico, ele estava disposto a ser este último cliente, ainda mais com cerveja gratuita.

Era uma senhora quem atendia como garçonete neste horário, e mostrava-se bem mais disposta que o anterior. Aristeu apresentou-se e quase mostrou a identidade para confirmar que vencera a promoção das bebidas, o que não foi necessário. "É você? Demorou, hein. Escolhe uma mesa que eu já vou levar", respondeu a garçonete um tanto impaciente. Aristeu retirou um cigarro do maço, pendurou-o na boca e virou-se, notando quase todas as mesas vazias, exceto a do canto direito, onde um senhor, sentado de perninhas cruzadas, não sabia se levava o copo de cachaça amarela à boca ou o deixava sobre a mesa; e do canto esquerdo, onde, de costas, em direção ao videoquê, estava uma mulher que, de onde Aristeu estava, parecia ser uma belezura.

Ora, já que estamos aqui, nesta hora da madrugada, com cerveja gratuita e tudo, por quê não poderia ficar melhor? Aristeu tinha a confiança que sim, e lembrou da sorte, mas lembrou também do azar da kombi na estradinha, e por isso não quis pensar muito. A garçonete apareceu com a garrafa e um copo, e Aristeu solicitou mais um. Não se importou com a baixa qualidade da cerveja, realmente péssima, e dirigiu-se como se já estivesse embriagado em direção ao canto esquerdo, até fitar a mulher, e perceber que era, nada mais nada menos, a deslumbrante morena da van, desta vez sem os óculos escuros e com os finos cabelos negros presos, o que ressaltava o lindo pescocinho tatuado com estrelas.

Ela notadamente o reconheceu, mas decidiu não acenar, apenas continuar vidrada no videokê, que tocava um pagode baixinho para não acordar os hóspedes e os ouvidos mais exigentes. "Não nos vimos na van?", pensou Aristeu em perguntar, mas seria óbvio, pois a mulher demonstrou que o reconheceu. "Está hospedada aqui também?", seria outra abordagem, mas muito, muito previsível. O que tinha a perder se fosse diretamente a ela e oferecesse cerveja? Mas cerveja quente e ruim era demais, e este resort não era como nos botequins, que a esta hora da noite, num feriado, está cheio de mulheres que trocariam qualquer coisa por um copo de cerveja.

"Ei, você, paga uma ficha pra mim?", Aristeu ouviu a voz dela dizer. Óbvio que sim, quantas ela quisesse, todas as fichas de videoquê do mundo! Mas o dinheiro que tinha dava para uma apenas, e o cafezinho com pão torrado poderia tranquilamente ficar para outro dia. "Claro!", sorriu inflado Aristeu, agora já com todos os pensamentos diluídos. Ele foi até o balcão, pediu uma ficha, e a garçonete disse que neste horário não era possível, pois acordaria os hóspedes. A fúria no rosto de Aristeu tornou-se visível, mas ele se conteve. "Ok", respondeu apenas isso, e com cara de tacho, foi até a morena, que nem esperou ele se justificar: "Paga uma bebida pra mim", pediu séria. Ora, era exatamente esse o objetivo. Aristeu inflou-se novamente e disse: "Não preciso nem pagar. Tenho cerveja de graça por toda a noite!" O azar era justamente que ela confessou não gostar de cerveja, e disse que queria outra coisa. "Aquela cachaça amarelada?" pensou Aristeu, mas resolveu não perguntar. "Ok, já vou buscar pra você".

Foi então novamente até a garçonete, que vinha em sua direção com mais uma garrafa de cerveja. Aristeu disse que não era hora da cerveja, mas de um vinho, uma caneca de um tinto suave, o que a garçonete negou, pois a promoção era apenas para cerveja. Aristeu então perguntou o preço, mas infelizmente uma caneca era demais para sua conta. Ele insistiu, e a garçonete revelou que o copo da cachaça amarelada custava apenas dois reais, quase o preço de um cafezinho com pão torrado.

"Cachacinha de Minas. Uma delícia! Gosta?" disse ele à morena. A frase iria ser completada com um destemido "se não quiser, eu tomo", mas ela tomou-a de sua mão, e numa só golada virou todo o líquido. "Prazer, Lúcia" apresentou-se, e Aristeu encantou-se com seus olhos verdes e gaguejou o próprio nome. A morena voltou a olhar o videokê, que tocava os versos: "Quando te encontrei / Te juro não pensei / Que iria me apaixonar", e ela sussurrou um "adoro essa música". Aristeu então caiu na obviedade e perguntou se gostava de pagode. "Claro, burro! Essa música é pagode!", pensou ele, mas Lúcia disse apenas um "adoro", e começou a cantarolar "O que é que eu faço agora / Já tentei ir embora / Mas meu coração está preso a você", e os olhos verdes brilharam.

Aristeu percebeu a sua angústia e perguntou o que foi, e Lúcia encarou o olhar condolente do rapaz, e disse: "Sabe quando a mulher tá numa situação que daria para o primeiro homem que aparecesse?" De condolente, Aristeu ficou perplexo, a tremedeira nas pernas foi mais devido ao questionamento da morena do que à mensagem que recebeu, no exato momento, no celular. Foi sua rápida fuga do embaraço, controlou as pernas e conferiu o celular, que mostrava uma mensagem promocial qualquer. Só que não poderia fugir do acaso. Ele bem que tentou manter a simpatia, desconversou ao mostrar as ligações gratuitas que ganhou no celular, enquanto Lúcia reparava calada em seus movimentos. Com ares de cavalheiro, Aristeu propôs que ela fosse a primeira a receber uma ligação. Mas Lúcia estava decidida: "O que você me diria pelo celular que não pode ser dito aqui?"

"Ou pode ser dito no meu quarto", replicou Aristeu instintivamente. A atmosfera sexual é sentida quando esta verdadeira atração magnética une a ação e a reação. A cada suculento beijo aumentava o ofegar da morena, que, a cada toque na cintura, apertava as próprias coxas e roçava, quase chutando, a panturrilha de Aristeu. Ele tentou controlá-la com uma apalpada forte na bunda, e ela reagiu apertando-lhe a virilha. Lúcia era quente como lúcifer, e Aristeu não sabia se se acomodava, deixando-se ader neste fogo, ou se fazia algo urgente para saciar essa mulher. Levantou-se, sem se constranger com o volume de suas calças, pois não havia mais ninguém no recinto, tomou as leves mãos de Lúcia, entregue totalmente, ao menos pelos próximos minutos, e guiou a morena até o seu quarto.

Com o absoluto controle da situação, engatilhou a chave na fechadura, girou a maçaneta e abriu a porta e os braços. A morena ignorou, entrou sem pedir licença, caminhou até a cama e esparramou-se. Aristeu fechou a porta com pose de galã e, quando virou-se, viu que Lúcia se masturbava. O rapaz não pensou duas vezes, desabotoou as calças e quase pulou, de cuecas, em cima de Lúcia. Quase porque queria, pois relutou quando saiu o primeiro gemido da boca da morena. O fogo queima rápido quando há muita chama, e é preciso incendiar na medida certa diante de tal situação. Lúcia pegou a mão de Aristeu, puxou para entre as pernas e sussurrou: "Mexe... Mexe essa porra..." De malicioso a pervertido, o toque entre as coxas grossas vulcanizava, e o arrepio dos pelos sincronizava com o pulsar de um inchado e vermelho grelo entre os dedos.

Ela queria mais, queria sentir as coxas molhadas pelo próprio tesão, e Aristeu iria ajudá-la. Garoto de sorte! E se ela queria mais, era hora de dar mais. Levantou-se, apontando o rijo membro para os médios seios da morena, mas fartos de vontade de uma apertada bem dada, de uma lambida felina, de uma leve mordidinha nos mamilos. Porém Aristeu não conteve a calma. A chama havia muito de ser consumida mas, para ele, era hora de mais lenha. Como um cirurgião, abriu as pernas de Lúcia, que mordeu os lábios, fechou os olhos e disse: "Vai, me fode com força."

Dizem que a primeira impressão é a que fica. a força da primeira metida fez Lúcia abrir a boca e virar a cabeça para trás. Aristeu sentiu aquela boceta esfomeada, como uma boca seca que tem sede. Ela massageou os seios e beliscou os mamilos, olhando fixa para ele. Enquanto ele socava com vontade, ela chupava um dedo e dedilhava o outro no grelo. Mas a boceta continuava como uma boca seca. Ardia como brasa, e Lúcia gemia soluçando, um gemido alto, outro baixo, num ritmo que só parou quando penetrou o olhar nos olhos de Aristeu e ordenou: "Me come de quatro agora."

Nessa hora, todo pedido é uma ordem, e fazê-lo diante de tamanha protuberância era questão de honra. Mas o fogo estava forte demais para Aristeu. Quando Lúcia preparava-se para decolar, Aristeu chegou rápido demais ao cume. Soltou um grito forte, seu único barulho até aqui, virou-se e inclinou a cabeça para cima. Estava consumido por completo.

"Como você sua...", disse Lúcia. Aristeu realmente estava ensopado, como se percorresse uma longa maratona. Ela virou-se de lado, deixou-se levar pelo conforto da cama e logo fechou os olhos. Ele despencou o próprio corpo sobre o lençol.     

Com as portas e janelas cerradas, não era possível notar o amanhecer, mas foram as tosses e os vômitos de Lúcia que acordaram Aristeu. Ele perguntou sonolento se a morena passava bem, outra obviedade, mas ela com esforço disse que sim, pois achava que toda a indisposição era consequência da cachaça amarelada. Aristeu pensou outra coisa, no azar da concepção indesejada, e por isso levantou por impulso, correu ao banheiro e tentou cuidá-la da melhor forma possível. Lúcia queria apenas se limpar, gargarejar um pouco de água com pasta de dente, chupar uma bala, vestir-se e ir embora. Atormentado, Aristeu implorou para que ligasse, avisasse nos dias seguintes se estava mesmo bem, se tudo transcorria normalmente, e Lúcia deu-lhe um beijo no rosto, acariciou-o com a mão, e disse para não se preocupar, pois qualquer coisa ela retornaria.

Qual não foi a ansiedade que corroia-lhe os pensamentos desde a partida da morena até a chegada em casa, e assim também durante o outro dia e o outro, torturando-o todo o tempo sobre o sofá? Aristeu mandou-lhe oito mensagens no celular e tentou ligar cinco vezes. "Que azar!" era a expressão que mais povoava os seus pensamentos. Mas a morena retornaria dois dias depois, por meio também de uma mensagem com os dizeres: "Oi! Tudo ótimo! E vc? bjinhos!" Devia estar tudo ótimo mesmo, uma gravidez indesejada não causaria tamanha euforia. Que sorte. Aristeu respondeu com os costumazes galanteios, esperou o dia inteiro por outra mensagem, ligou pela noite, e também no outro dia, a tarde, mas nunca mais encontrou-se novamente com ela.

Cansado de tanto jogo de sorte e azar, desde a caminhada ao trabalho até o erótico drama novelesco com a morena, resolveu tomar um banho, pois doíam-lhe as têmporas demasiadamente. Precisava relaxar, pois o dia seguinte era dia de expediente. Resolveu tomar um banho e notar que a sujeira do ralo deveria ser retirada urgentemente, pois o box já estava parecendo uma piscina. Com a água até as canelas, esticou o corpo até o vaso sanitário, onde estava apoiado o celular, ligado ao carregador na tomada, pois ouvira o alerta de duas mensagens. Num descuido, Aristeu puxou-o pelo fio, e momentos antes do celular cair dentro do box, houve uma queda de luz. Uma tremenda sorte, seria o fim de Aristeu, morrer eletrocutado no próprio box.

Viu que eram duas mensagens. A primeira da morena, interessada em saber se Aristeu vai frequentemente ao resort, o que nutriu um orgulho interno no peito do rapaz. Abriu a segunda mensagem e leu um texto que o convidava para uma cerveja após o expediente de amanhã, e logo abaixo a assinatura da sensual atendente de trabalho. "Cara de sorte!", exclamou a si mesmo, e resolveu beber uma cervejinha da geladeira para comemorar tudo isso. Ao sair do box, com uma empolgação estampada na testa, escorregou no chão molhado e bateu fatalmente com a cabeça.

Aristeu levava a vidinha mais ou menos numa bandeja, fazendo da própria sorte o maître. Sempre questionei-me se a sorte realmente esteve ao lado de Aristeu, ou se ele vivia despejando os acasos nas mãos da sorte, que faz das coincidências verdadeiros milagres. 

Uma didática da invenção (M. de Barros)

III

Repetir repetir - até ficar diferente.
Repetir é um dom do estilo.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Irá se ouvir?

Quando o mundo inteiro gritar,
Você irá se ouvir?

Barcas

Passo
Sou mais um elemento desta manada
Que fecha os olhos para a bela vista da Baía de Guanabara.
Abrem-se as porteiras, cerram-se os gestos,
Abraços tão distantes, braços tão pertos,
Cada um por si, deus contra todos,
Neste pega pra capar corra atrás
Do seu lugar.

Sento ao lado de uma bela donzela.
Será que traça um futuro
Ou já está com a vida traçada?
Postes ambulantes enforcados
Por terno e gravata,
Gaivotas voam baixo
Preocupadas com noticiários.
Sereias saem da água poluída,
Estampam os outdoors.
Bois ruminam resmungos aos berros.
A barca do inferno está a zarpar
Até a Terra de Arariboia.
A independência já foi compreendida,
Resta abandonar o barco.

Ou seria o berço?

Ninfectado

Infectado por ninfas voadoras,
Borboletas e mariposas,
Quedei-me febril.

Coração a mil
Ensopou-me a camisa.
Vento frio, cortante brisa,
Paralisava-me num ardil.

Envolvia-me sem medo,
Entregava-me sem mágoa.

Paixão de água,
Coração de pedra,
Tanto bate
Até que quebra.

Nunca ouvi explicação
De que a paixão
É uma doença sem cura.
Nem tente entender,
Criatura.

Acabei de ser
Ninfectado.

Endereço

- Qual é a sua rua?
- Eu não tenho rua alguma.
Eu moro de aluguel.
Eu só tenho casa desenhada
Em pedaço de papel.

- Qual é seu endereço?
Me diz que eu compareço.
- Eu moro nas esquinas
Desta via, que ainda
Desconheço.

- Qual é o seu planeta,
Seu país, seu continente?
- Capaz que meu nariz
Se meta ou passe rente.
Capaz de eu não ser lembrado
Para o seu aniversário.
Provável de eu aparecer
E me oferecer como presente.

- Aonde você vive?
Será que aí um dia eu já estive?
Me convide como seu anfitrião
Mesmo vendados os olhos,
Guiado pelo coração,
O seu bairro eu conheço
Com a palma da minha mão.

Da boa ação

Será que os bonzinhos realmente só se fodem?
Ou será que vale a pena, apenas,
A boa ação que verdadeiramente os locomovem?

Vai vendo.
"Não se pode vender o que se tem de melhor pra dar".
Já dizia o teatro amador nos Arcos da Lapa.

Alvo em mim

Viciado em severas sevícias
Com esta alma torta
Que tortura quem mira

Quero poder confiar no semelhante
Que vem vindo na contramão.
Quero guardar a hipocrisia a sete chaves
E superar o momento em que a colhi.
Quero dar de frente com a moral
Para entender o significado de ser normal.

Ou será eu, que construí-me, confiante,
Sem noção da perda da razão?
Parei, pensei, a vida seguiu adiante.
Me disse "mais ação, menos reação".
E me tornei um reflexo deste instante

O nexo é ser flecha
Sempre na dela
Apenas a esperar
O alvo envolvê-la.

Duas duras realidades

Dura realidade I "Quando a lenda se transforma num fato, publica-se a lenda", disse o jornalista sensacionalista do clássico f...