domingo, 21 de março de 2010

Eu ou Marx?


Da série: Grandes Dúvidas Existenciais
Fausto Wolff

As grandes dúvidas existenciais me perseguem desde sempre. Não importa aonde eu vá ou aonde esteja, elas estão enchendo:

- Não vem que não tem. Nós, as grandes dúvidas existenciais, já te vimos e não vamos largar do teu pé.

Nem na cama me dão paz. Outra noite, acordei suado, febril. Uma dúvida enorme pousada sobre meu peito perguntava:

- Deves escrever um artigo mandando todos os grandes publicitários do Brasil tomar na BUNDAS ou deves fundar uma revista chamada HIPOCRISIAS e pedir a colaboração de todos os publicitários do Brasil?

Fui ao banheiro fazer pipi e uma dúvida existencial menor gritou:

- Tens de ficar respingando em cima de mim ou deverias te dedicar a ações mais nobres, como tirar as dúvidas da população sobre as dúvidas do Ciro Gomes?

Essa dúvida em verdade era um dúvido, pois embora mais baixinha, tinha a cara do Harpo Marx. Deixei-a se limpando dos respingos e fui fazer um café. O dúvido saltou sobre a mesa e aproveitei para inquirir.

- Existe todo tipo de dúvida existencial?

E ele:

- Existe. Eu trato das causas menores, como por exemplo a dos protozoários que vivem dentro do cu de um rato morto. Estão sempre olhando para o lado de dentro (como as criaturas de Platão na caverna) e se perguntando: “Diante deste espaço infinito, devemos duvidar da existência de outras criaturas inteligentes?”

- Fala de um outro tipo de dúvida aí – disse eu, como os dois milhões de repórteres da TV que não sabem xongas sobre quem estão entrevistando.

Marx tirou uma luneta de gabardine.

- Neste momento – respondeu ele – há uma grande dúvida emergente atormentando o banqueiro Lordoso Rochinho. Tem quase noventa anos e é um dos maiores ladrões do Brasil. Está se perguntando em voz alta: “Uma vez que já sou triliardário em dólares, não deveria parar de roubar?” Sua mulher, dona Nenzinha, porém, acaba de matar a dúvida a tapa. “Deixa de frescura, Lordô, e pensa nos nossos tataranetos que ainda não nasceram.”

Marxinho acabou de tomar o café enquanto me ouvia dizer:

- Pensei que as grandes dúvidas existenciais só atacassem grandes homens como eu.

- Que nada, rapaz, existem mais dúvidas do que criaturas – disse ele, botando a lutena no olho direito. - Neste momento, por exemplo, Fernando Collor deve estar se perguntando se deve usar uma gravata Hermés, aspirar Erythroxylaceae por via anal ou ser prefeito de São Paulo. Lula não sabe se no próximo encontro com ACM lhe dá um beijo nos lábios ou nas mãos.

E Sua Majestade, Fernando Henrique Cardoso? - perguntei cheio de esperança.

- Neste momento, aproveitando-se do profundo sono de dona Ruth, ele se olha no gigantesco espelho do Palácio. Diante de tamanha beleza desvairada, diante de tamanha erudição sorbônica, se pergunta: “Devo mudar de marca de xampu ou devo pôr uma fita de seda nos cabelos? Devo incendiar o Brasil ou devo cair de joelhos diante de mais de 200 milhões de brasileiros e pedir perdão?”

Marx pulou da mesa e disse:

- A conversa está muito boa mas tenho...

E eu, interrompendo-o:

- Você não podia me dizer antes de ir embora qual será a decisão de Sua Majestade?

- Fita no cabelo é barbada e, entre as dúvidas existenciais, está devolvendo capital. Mais alguma coisa ou posso ir embora?

- Me tire uma última dúvida. Por que os meninos pensam mais do que as meninas e as meninas falam mais do que os meninos?

- Essa é mole. Os meninos têm duas cabeças e as meninas quatro lábios.

O dúvido vai embora e eu, nervoso em relação ao destino do Brasil, bebo meio litro de uísque de estalo. Uma lagosta sai de um buraco da parede. Será mais uma grande dúvida existencial que vem me assolar ou não passa de um reles delirium tremens de pobre jornalista tropical? Eu ou Marx?

Publicação original na Revista Bundas, 22 de setembro de 1999

Um comentário:

Girabela disse...

Super curti.


Abraços,
Gabriela

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