"Conto do pintor", a música cantada originalmente por Moreira da Silva, e sua versão setentista feita por Jards Macalé, do álbum "Contrastes" (1977), no vídeo abaixo.
Conto do Pintor
Moreira da Silva
Composição: Miguel Gustavo
Desembarquei fantasiado de pintor
No aeroporto já encontrei o Ibrahim
Fez um discurso e apresentou-me ao Dourado
que já de cara deu apartamento para mim.
- Moringueira vais levar um duplex?
- É o seguinte, eu não mereço, eu não mereço tanto. É muita gentileza sua.
Fomos direto ao museu de arte moderna
A grande obra de madame Guiomar
Condecorando-me com a ordem do vaqueiro
O Chateaubriand quase chegou a me estranhar
- Embaixador, deixa isso pra lá. Vossa excelência que é o admirador e protetor das artes do Brasil.
Mas ali mesmo demonstrei o meu talento
Pintei triângulos redondos e um quadrado todo oval
Eles olhavam perturbados e diziam
"Esse Moreira é um artista genial!"
Mais que depressa eu vendi noventa quadros
Depois de dar uns dois ou três em benefício
Entrevistado pelo Rúbens do Amaral
eu respondi "ora, que nada, é meu ofício"
Pintei vassouras com feitio de espadas
Pintei espadas qual vassouras
Retirei-me do local
Mas a ilustríssima platéia delirava
"Esse Moreira é um artista genial!"
Pintei um quadro só por fora das molduras
Eu joguei tinta nas paredes todo mundo achou legal
Eu comi rosas e as madames exclamaram
"Esse Moreira é um artista genial!"
E eu que não pintava nem nos muros da Central!
Mais que depressa eu vendi noventa quadros
Depois de dar uns dois ou três em benefício
Entrevistado pelo Rúbens do Amaral
eu respondi "ora, que nada, é meu ofício"
Pintei vassouras com feitio de espadas
Pintei espadas qual vassouras
Retirei-me do local
Mas a ilustríssima platéia delirava
"Esse Moreira é um artista genial!"
Fui à Brasília dei um quadro de presente ao maioral. Era um triângulo redondo, mas Nonô achou legal.
Porque é dela onde brotam fungos, transforma-se húmus, sucumbem túmulos, surgem larvas que se multiplicam e irradiam cheiro, cor e o ciclo da vida faz-se em flor.
sexta-feira, 16 de abril de 2010
quarta-feira, 7 de abril de 2010
As águas estão certas
O Rio de Janeiro é uma cidade peculiar. Uma metrópole situada num local cuja natureza geográfica nunca aceitaria um crescimento urbano intenso. A faixa entre a serra e o mar é relativamente estreita e extremamente acidentada para o brotamento de centenas de arranha-céus deslumbrantes, milhares de vias asfaltadas por onde circulam milhões de carros diariamente, incontáveis esqueletos de casas nos morros, e uma arrebatante cultura que privilegia sempre o privado sobre o público.
Este não foi o primeiro temporal que castigou o dia-a-dia do carioca. Também não será o último. Todos os anos as águas de março fecham o verão sem a mínima beleza dos versos de Tom Jobim. Nos pontos de sempre, a água chega até os joelhos, alagamentos param o trânsito por horas, entes queridos são perdidos, vitimados por deslizamentos ou enchentes.
Quero repetir: esta situação ocorre nos pontos de sempre. Nunca governante algum, prefeito ou governador, realizou obras de infra estrutura que contivessem este problema anual. Como no atual governo, privilegiaram sempre obras de maquiagem, para agradar os olhos e iludir os eleitores. Infra estrutura nunca entra na "agenda" dos políticos.
Neste ano, após o caos, o prefeito Eduardo Paes prometeu investir R$ 100 milhões em obras emergenciais. Depois da tempestade, depois da portaria arrombada, movem-se os traseiros. Durante todo verão este comportamento se repete, como no caso da epidemia de dengue. É bom lembrar que a epidemia de dengue não está dissociada das consequências dos temporais. Os nascedouros do mosquito têm origem justamente na soma do lixo com a água da chuva que não é escoada.
Quem passa pela região do Cais do Porto, na avenida Rodrigues Alves, sob o viaduto perimetral, vê como é a cara de todas as administrações que passaram pelo Rio de Janeiro. No extremo mais próximo ao Centro do Rio, há imensos tapumes da Prefeitura persuadindo a população de que este será o "Porto Maravilha", de braços abertos para investimentos privados. Mas nos locais esquecidos pelos investimentos, vê-se o retrato do abandono: lixo, muito lixo, esgotos que entopem em qualquer chuva e chegam a invadir as calçadas esburacadas, ruas escuras, sentimento de insegurança. E este exemplo do abandono é tão descarado que este cenário se encontra justamente à frente da rodoviária da cidade, onde gente de todo Brasil chega de ônibus ao Rio de Janeiro.
Não são apenas moradias de favelas que estão situadas em áreas de risco em encostas. Mansões no Recreio dos Bandeirantes, em São Conrado e em outros bairros de alto IPTU abrigam casas que, mesmo regularizadas, possuem iminente perigo de deslizarem. Da mesma forma, sempre ouvi dizer que os bairros da Barra e do Recreio estão num terreno arenoso que pode ruir sob condições intemperismo intenso. Lógico que haverá engenheiros com respostas prontas negando tais afirmações, mas diante de nosso clima indomável, não haveria motivo para preocupações e prevenções?
A cultura inabalável do privado sobre o público é uma verdadeira endemia carioca. Muitas ruas alagam sob qualquer chuva porque os bueiros entopem simplesmente devido ao comodismo de moradores que pensam que fazem suas partes ao colocar os lixos domésticos em sacolas plásticas amarradas no chão da calçada, ao pé dos postes. Meses atrás um menino de oito anos morreu em consequência da chuva no bairro de Quintino. As águas que ali corriam levavam amontoados de sacolas de lixo. Na Rua do Resende, no bairro da Lapa, basta chover um pouco mais forte para a maré bater na canela, e as causas são as mesmas: lixo na calçada.
Enquanto remediar for mais viável que prevenir, apenas por ser mais barato, enfrentaremos este problema. A culpa não é da chuva intensa, afinal, num país tropical, abençoado por Deus, nesta estufa chamada Mata Atlântica, entre a serra e o mar, não importa se há cristos redentores ou viadutos, arranha-céus ou barracos, as águas de março virão anualmente fechar o verão, como sempre o fizeram, muito antes de serem cantadas em versos.
Este não foi o primeiro temporal que castigou o dia-a-dia do carioca. Também não será o último. Todos os anos as águas de março fecham o verão sem a mínima beleza dos versos de Tom Jobim. Nos pontos de sempre, a água chega até os joelhos, alagamentos param o trânsito por horas, entes queridos são perdidos, vitimados por deslizamentos ou enchentes.
Quero repetir: esta situação ocorre nos pontos de sempre. Nunca governante algum, prefeito ou governador, realizou obras de infra estrutura que contivessem este problema anual. Como no atual governo, privilegiaram sempre obras de maquiagem, para agradar os olhos e iludir os eleitores. Infra estrutura nunca entra na "agenda" dos políticos.
Neste ano, após o caos, o prefeito Eduardo Paes prometeu investir R$ 100 milhões em obras emergenciais. Depois da tempestade, depois da portaria arrombada, movem-se os traseiros. Durante todo verão este comportamento se repete, como no caso da epidemia de dengue. É bom lembrar que a epidemia de dengue não está dissociada das consequências dos temporais. Os nascedouros do mosquito têm origem justamente na soma do lixo com a água da chuva que não é escoada.
Quem passa pela região do Cais do Porto, na avenida Rodrigues Alves, sob o viaduto perimetral, vê como é a cara de todas as administrações que passaram pelo Rio de Janeiro. No extremo mais próximo ao Centro do Rio, há imensos tapumes da Prefeitura persuadindo a população de que este será o "Porto Maravilha", de braços abertos para investimentos privados. Mas nos locais esquecidos pelos investimentos, vê-se o retrato do abandono: lixo, muito lixo, esgotos que entopem em qualquer chuva e chegam a invadir as calçadas esburacadas, ruas escuras, sentimento de insegurança. E este exemplo do abandono é tão descarado que este cenário se encontra justamente à frente da rodoviária da cidade, onde gente de todo Brasil chega de ônibus ao Rio de Janeiro.
Não são apenas moradias de favelas que estão situadas em áreas de risco em encostas. Mansões no Recreio dos Bandeirantes, em São Conrado e em outros bairros de alto IPTU abrigam casas que, mesmo regularizadas, possuem iminente perigo de deslizarem. Da mesma forma, sempre ouvi dizer que os bairros da Barra e do Recreio estão num terreno arenoso que pode ruir sob condições intemperismo intenso. Lógico que haverá engenheiros com respostas prontas negando tais afirmações, mas diante de nosso clima indomável, não haveria motivo para preocupações e prevenções?
A cultura inabalável do privado sobre o público é uma verdadeira endemia carioca. Muitas ruas alagam sob qualquer chuva porque os bueiros entopem simplesmente devido ao comodismo de moradores que pensam que fazem suas partes ao colocar os lixos domésticos em sacolas plásticas amarradas no chão da calçada, ao pé dos postes. Meses atrás um menino de oito anos morreu em consequência da chuva no bairro de Quintino. As águas que ali corriam levavam amontoados de sacolas de lixo. Na Rua do Resende, no bairro da Lapa, basta chover um pouco mais forte para a maré bater na canela, e as causas são as mesmas: lixo na calçada.
Enquanto remediar for mais viável que prevenir, apenas por ser mais barato, enfrentaremos este problema. A culpa não é da chuva intensa, afinal, num país tropical, abençoado por Deus, nesta estufa chamada Mata Atlântica, entre a serra e o mar, não importa se há cristos redentores ou viadutos, arranha-céus ou barracos, as águas de março virão anualmente fechar o verão, como sempre o fizeram, muito antes de serem cantadas em versos.
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